quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Reality killed the spark

Num tempo e espaço que todos conhecemos havia um menino. Todos os dias, no caminho para a escola, mochila às costas e uma cabeça cheia de sonhos, passava pela montra de uma loja que o fascinava. Começou por se parar na frente do vidro durante alguns segundos, na semana seguinte já saía de casa cinco minutos antes só para poder estar mais tempo agarrado àquela imagem que o prendia. Um mês mais tarde tinha dito à mãe que preferia voltar para casa sozinho e que não valia a pena irem buscá-lo à porta do centro educativo, assim podia repetir o caminho e ficar parado um pouco mais, a vê-la.
Talvez as houvesse mais brilhantes, coloridas, resplandecentes, mas era aquela, aquela em concreto que o atraía. Não sabia se por estar no fundo da loja, encostada humildemente a uma parede enquanto as outras se exibiam orgulhosas para os clientes, se calhar exactamente por não se fazer notar ele a sentisse especial.
Um dia de Inverno, o dono da loja convidou-o a entrar. Estava a chover a cântaros lá fora e não fazia muito sentido que ele continuasse a espreitar através do vidro enquanto a chuva o ensopava. Não lhe perguntou nada. Ele, como se não pudesse evitar o movimento, sacudiu a chuva do casaco e aproximou-se da dona dos seus sonhos. Era perfeita para ele em tamanho, cor e personalidade. Foi incapaz de lhe tocar não fosse a magia quebrar-se. E assim, começou a entrar todos os dias, cada vez mais próximo, cada vez mais nervoso por a ter ali, quase à mão.
Surpreendido por ver aquele menino pequeno parado no meio da sua loja, mas sem querer intrometer-se naquela quase religião a que assistia passivamente todos os dias, o Sr. Domingos sorria ao vê-lo entrar diariamente.
Numa tarde, meses depois do primeiro dia, perguntou-lhe se não o queria ajudar a limpar o pó às bicicletas que vendia. O pequeno André ficou emocionado com a proposta, pegou no pano e quando ia a perguntar por onde começar o dono da loja indicou-lhe a bicicleta dos seus sonhos. Respirou fundo e passou-lhe o pano por cima como se tivesse medo de a partir, suavemente e com todo o cuidado. Deixou-lhe a campainha a brilhar e o selim sem dedadas, até os pneus tiveram uma atenção especial. A partir desse dia entrava sempre para a cuidar, já lhe tinha perdido o medo, já era quase sua.
Os pais começaram a surpreender-se com as ausências prolongadas do menino, até a professora se queixou dos atrasos na hora de entrada, ele que fora sempre tão pontual. Preocupados, decidiram seguir-lhe o rasto, já que ele se esquivava cada vez que tentavam perguntar-lhe alguma coisa. E foi então que o viram entrar na loja de bicicletas.
Tanto a Primavera como o aniversário do André estavam a aproximar-se e falando com o Sr.Domingos perceberam qual era a prenda ideal para o filho. Tiveram quase que discutir com o dono da loja, que como já tinha ganho carinho àquele menino subtil que começou por silenciosamente se apaixonar por uma bicicleta, mas que agora entrava diariamente a cantar e lhe fazia companhia durante as tardes solitárias de trabalho, quis ser ele a dar o presente à criança.
Chegou o dia especial. Como de costume o menino entrou na loja com um sorriso, cumprimentou o Sr.Domingos e dirigiu-se para o fundo da loja, para o lugar dela. Mas ela não estava. Virou a cara meio supreendido, meio assustado. Não conseguiu proferir palavra, apenas olhou com olhar de pergunta desesperada.
Sr.Domingos: Não te assustes, só te quis fazer uma surpresa. Como sei que hoje é um dia especial, os teus pais e eu... - e os pais apareceram - ... decidimos dar-te um presente também ele muito especial.
O pai trazia-a pela mão, com um enorme laço azul a decorá-la.
Ao contrário do que todos pensaram o André não correu desenfreadamente para a bicicleta atirando a mochila para o chão. Permaneceu no mesmo sítio, a olhar para os três como se não entendesse nada do que se estava a passar. A mãe disse-lhe com voz doce:
Mãe: Filhote, é tua, não tenhas medo.
Pai: Sim. Agora só tens de a tratar tão bem em casa como o tens feito até aqui.
E por fim o menino falou.
André: Mas eu não a quero, eu nem sequer sei andar de bicicleta. - E saiu pela porta que até aí albergara o seu maior sonho.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Não digas nada

No instante da empolgação maior, em que os cérebros já não controlam os corpos e estes, como zombies, apenas reagem ao desejo sem controlar movimentos involuntários, disseste a pior frase do mundo. Porque aquele pronome e verbo recíproco são matreiros, enganam-nos, principalmente se proferidos quando não são palavras o que as bocas procuram.

domingo, 5 de setembro de 2010

Abracadabra

Quando o génio da lâmpada lhe perguntou pelos três desejos a que ela tinha direito, contou o que lhe passava pela cabeça e os obstáculos que esta impunha aos caminhos (tortuosos) dos sentimentos. O homem imaginário ouviu com atenção, esperando poder encontrar naquele novelo de confusões um fio desenleado que o ajudasse a descortinar-lhe as três vontades supremas.
- O que eu quero saber é: se fizer o que o instinto me pede, conseguirei pôr o coração numa prateleira e esquecer-me de que existe para não sofrer depois? E se assim não for, arrepender-me-ei a vida inteira por ter dito "não"?
Depois de muito pensar, o génio disse:
- Tens a certeza de que não preferes uma gruta cheia de tesouros?

Miranda's wisdom


Because it is not a time to chat. In fact, it's one of the few instances in my overly articulated, exceedingly verbal life where it is perfectly appropriate - if not preferable - to shut up. And now suddenly I have to worry about being stumped for conversation? No, thank you!



Será que alguém em Marte consegue prestar atenção às lições de quem sabe o que diz?