sexta-feira, 23 de julho de 2004



Este mês de Julho de 2004 tem sido terrível para a cultura, muito em especial para a cultura portuguesa.
Ao acordar liguei a TV e nem percebi muito bem o que me era dito...o quê? Morreu Carlos Paredes? Parece inacreditável. Parecia que impossível de acreditar que o mesmo mês que nos levou Sophia nos poderia levar outro tão grande vulto da cultura e tradição nacionais, mas é mesmo verdade.

Recordo que tinha mais ou menos 15 anos quando fui ver um concerto do Carlos Paredes com os meus pais. Eu que ia a contragosto e sem vontade de ir "ouvir Fado" (dizia eu em tom depreciativo), saí encantada. A magia que saía do abraço daquele homem à sua guitarra era electrizante, a música entrou-me por todos os poros e fez-me arrepiar, sorrir, chorar, de tudo, porque naquele momento e espaço o som daquela guitarra era tudo. Foi uma experiência que muito poucas vezes voltei a sentir. Aquela plenitude estética e extasiante que só a arte e o amor (não serão estes dois a mesma coisa?) nos podem revelar.
No dia seguinte ficámos a saber que Carlos Paredes tinha pedido para o ajudarem a caminhar até ao Hotel. Estava uma daquelas noites quentes de Maio, em que o cheiro da terra molhada dos quintais acabados de regar nos inunda os sentidos e nos faz sentir em casa, e conta quem o ouviu que ele disse que queria para sempre recordar aquela noite. Foi o seu último concerto e ele sabia-o, sabia que a doença não o voltaria a deixar presentear o público com a sua arte.
É uma noite que não vou esquecer por muitos anos que viva. E é essa noite que me faz estar triste hoje pelo desaparecimento deste grande senhor. Eu sei que ele permanecerá entre nós como todos os grandes criadores porque a obra eterniza o artista, mas aquele momento único em que me senti sair do chão e ser transportada para outro mundo pelo som daquela guitarra em directo, mesmo à minha frente, é impossível de repetir.
Rendo-lhe homenagem com a fotografia do grande amor da sua vida.