domingo, 18 de novembro de 2007

A arrumar o quarto...

... encontrei um texto que, há 10 anos, saiu num jornal local. Foi escrito pela minha professora de Português, essa mulher admirável que, cheia de bondade, partilhava connosco semana trás semana a beleza das palavras, a melodia das metáforas, o sonho escondido em cada página dos clássicos que estudávamos. Ofereceu-nos no fim do ano lectivo este texto.

Folgas, Cavaleira e Companhia
Homenagem aos alunos de Português A, 12º ano, da Escola Secundária Mouzinho da Silveira
Folgas e Cavaleira são nomes reveladores de uma ironia terna, de acordo com a alegre autenticidade dos nomeados e a capacidade de amar de quem nomeia.
O mesmo acontece com a Companhia em que a Escritora, D.Duarte, a Gloriosa Admiradora de Florbela Espanca, o Poeta Vítor, a humaníssima Alexandra e todos os outros, percorreram comigo alguns anos da minha vida, fazendo-me acreditar outra vez, como dantes, que todo o tempo é o nosso tempo.
Ó Gabinete Ousada! - saudava-os eu quando cumpríamos "o serviço militar obrigatório" da Epopeia. E eles sorriam à porta de mochilas aos ombros, calmos e felizes, como quem entra no barco para mais uma viagem.
E assim andámos por esse "mar de longo" da Literatura, ao sabor das noites românticas, laivadas de pios de mochos, em cenários apocalípticos, pelas histórias da Guerra Civil...
Vivemos a perdição amorosa de Camilo e penetrámos em interiores requintados com estofos preciosos, estatuetas e jarrões de preço em que as flores elitistas se esfolhavam...
Bebemos ainda das filosofias poéticas, da ondulação pessoana, da sibilina voz dos escritores do século XX.
E assim ultrapassámos o "fingimento" e nadámos na verdade literária, em diversas direcções para delinearmos um rumo que nos aproximasse da VERDADE.
Para lá da porta da sala ficavam as guitarras, a voz da Marisa, os devaneios, as histórias do Sérgio, a "arte de bem cavalgar toda a sela" da Paula, as virtuosidades do violoncelo do Nuno, as espevitadas sentenças da Aida, o extraordinário equilíbrio do Duarte, as incursões filosóficas da Marisa Glória...
"Artistas da minha vida", sem dúvida, todos eles, mesmo os que preferiam ouvir, me gritam com o seu sorriso de regato vivo e a sua confiança que devo estar, no sentido etimológico - de pé, apesar das engrenagens que teimam em desvirtuar o primitivo e profundo sentido do velho EDUCO.
Julho 1997
Maria Guadalupe
Nota: EDUCO - verbo latino, significa tirar de dentro.

8 comentários:

Anónimo disse...

Só agora é que tive conhecimento deste texto. É mesmo o estilo da autora... Realmente foram umas aulas de Português inesquecíveis. Voltaremos a ter verdadeiros mestre?

Beijocas

mafaldinha disse...

Não conhecias o texto? Não acredito! A professora disse que ia publicar e quase todos comprámos o jornal nessa semana.

Pelo menos já serviu para algo pô-lo aqui. Assim que o reencontrei senti este impulso, pela maneira linda como falava de nós, por nos fazer sentir queridos, por nos ter ensinado tanto...

Não sei se voltaremos a ter verdadeiros mestres, sei que aqueles de que tivemos a sorte de disfrutar na ESMS o foram. Esta senhora, tal como alguns outros, é inesquecível. Ela sim devia ter um blog.

Beijos

M. disse...

(...)

Fiquei assim emocionada... Ela lembra-se da minha voz :D Também eu desconhecia este texto e ao lê-lo agora, tantos anos depois, fiquei atacada por uma pontinha de nostalgia.

Ela era (é) a maior e tudo o que podiam dizer dela não interessa. Lembro-me do brilho daqueles olhos gastos quando falava de literatura...

mir disse...

Uma Senhora maravilhosa...

mafaldinha disse...

Tu também não conhecias? Cada comentário só me convence mais de que ainda bem que cedi ao impulso de publicar aqui um texto não meu mas tão íntimo.

Era isso mesmo, o brilho, a sabedoria em cada olhar. O transformar-se numa menina porque nos desvendava mistérios que não sabiamos que existiam. Foi ela que me ensinou a "ler", mas a ler de verdade, para além da página. Não sei se alguma vez lhe poderei agradecer o suficiente.

(E quem é que não se lembra da tua voz, miúda?)

mafaldinha disse...

É verdade, mir, tu também passaste por lá.

É bom saber que há quem partilhe a minha admiração e carinho por esta Senhora.

mafaldinha disse...

Admito-vos aqui que, por vezes, tenho vontade que ela me (nos) pudesse ler aqui. Por outro lado, a vergonha é demasiada para lhe conseguir dar o link.

Anónimo disse...

Dá, dá, dá, dá, dá, dá, dá...